O objetivo era tomar a saideira com um amigo, num tradicional boteco em Niterói. Início de madrugada, aquela fome que nos faria encarar até os perigosos petiscos do bar, daqueles que só quem tem o fígado calejado pode resistir sem seqüelas graves.
Olhando para as iguarias, nosso apetite foipro espaço. Não que tivessemos estômagos fracos. É que poucos resistiriam à visão daquele maldito tabuleiro com nacos de língua bovina num molho secular. O aspecto era, pra ser bondoso, repugnante. Claro que os primeiros chopps foram bebidos enquanto fazíamos comentários a respeito do famigerado tira-gosto. A cor de burro-quando-foge, a textura de couro gasto, o molho coagulado, entre outras "qualidades" da língua.
Apesar do aspecto geral ser terrível, havia um pedaço que nos chamou a atenção pelo que tinha de bizarro. Era um pedaço que parecia ter sido cortado utilizando como molde uma língua humana. O tamanho, a cor…parecia a língua de um defunto, pronta para ser degustada. Simplesmente nojenta.
Esquecemos da embrulhante iguaria no terceiro chopp. Continuamos com outros assuntos quando me adrenta no recinto uma daquelas "coroas de butiquim". Elas são um tipo freqüênte, todo boteco tem uma. Qualquer dia eu falo melhor sobre isso. A figura de que estou falando era o típico exemplo das "coroa de butiquim": passo trôpego, fala solta – entra no bar já falando sozinha – roupas amarfanhadas pelo incessante "sentar-levantar" em vários bares, bolsa quase caindo do braço…Ou seja, uma triste figura.
Essa senhora já chegou no balcão cumprimentando o garçom, com aquela intimidade de quem já foi varrida do chão no fim do expediente.

–Fulano!!! Tô com uma fome!!! O que tem pra gente comer aí?

Eu e meu camarada, vendo a cena, logo imaginamos seu desfecho. A infeliz não teve a menor dúvida:

–Hmmmm….me dá um pratinho dessa língua aí…me dá aquele pedaço ali, que está bonito…

Precisa falar que pedaço a funesta figura escolheu? Ela foi direto em cima da língua humana…e o pior é que ainda falou que não precisava de garfo, pegou o pedaço com a mão, enfiou inteiro na boca, mastigou como um Babaloo sabor língua, lambeu o dedo e pediu outro pedaço, comentando como estava boa…Foi a o sinal pra irmos embora…outra cena dessa e todo o chopp consumido iria visitar o chão, sem escalas….